Vídeo pode desmentir versão da Polícia Civil
sobre morte de jovem na Mar
é


Da Redação, em 09 | 05 | 2016


No início da noite de 22 de fevereiro deste ano, a equipe do Meu Rio recebeu pelo WhatsApp um vídeo chocante. Nele, policiais da CORE - Coordenadoria de Recursos Especiais, o grupo de elite da Polícia Civil - jogam um corpo na caçamba de uma viatura. Segundo a pessoa que nos enviou, o corpo seria de Igor, jovem de 19 anos morto naquele mesmo dia pela manhã em operação policial no Parque União, na Maré.

O material levanta suspeitas sobre a versão oficial da polícia, noticiada em diversos veículos de imprensa durante a tarde daquele dia, em que os policiais alegaram prestação de socorro a Igor. Contudo, segundo moradores, Igor já estaria morto no momento do recolhimento de seu corpo, o que jogaria por terra a versão de prestação de socorro, configurando alteração de cena do crime por parte dos policiais, o que impediu que a perícia pudesse ser feita com o local preservado.

Nossa equipe encaminhou oficialmente o vídeo para a Delegacia de Homicídios da Capital e Ministério Público, responsável pela apuração criminal e controle externo da polícia. Em resposta, o Promotor Márcio Mothé, titular do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público, informou que o vídeo gerou abertura do processo interno nº 2016.00180559. O processo pode ser acompanhado por qualquer cidadão no próprio site do MP. A partir dele, a 23ª Promotoria de Investigação Penal foi designada para acompanhar o caso.

Além disso, encaminhamos o material também para a Corregedoria Interna da Polícia Civil, com cópia para a Ouvidoria de Polícia e Corregedoria Geral Unificada, responsáveis pelos procedimentos de apuração e correção de conduta. A delegada Adriana Mendes, titular da Corregedoria Interna da Polícia Civil, informou que o vídeo foi enviado para a 21ª DP, onde o fato foi inicialmente registrado. No entanto, não tivemos acesso ao inquérito, que tramita em segredo. A corregedora disse ainda que acompanhará o caso de perto e, caso seja necessário, irá requisitar o inquérito.


DefeZap: vídeos para além das redes sociais


O vídeo chegou ao Meu Rio através de um dos seus mais recentes projetos. DefeZap é um sistema de informação e autodefesa contra violência de Estado. Desde 2014 em desenvolvimento, DefeZap iniciou sua fase de testes no começo de fevereiro, com um grupo de voluntários que compõem uma rede de apuração colaborativa.

O sistema conta com canais online para envio de vídeos que mostrem abusos cometidos por agentes públicos, popularmente conhecidos como esculachos. Uma vez enviado, o vídeo passa a compor um banco de dados e é analisado por uma equipe profissional responsável pelo encaminhamento oficial do material para os órgãos de correção de conduta e controle externo da força policial. A pessoa que enviou o vídeo é mantida informada sobre o andamento da denúncia. Tudo com sigilo garantido.

No caso apresentado nesse vídeo, nossa equipe verificou a necessidade de apuração de possíveis ilegalidades. Segundo a Portaria 553 da Polícia Civil, sempre que uma operação resulta em mortes, é obrigação da autoridade policial isolar a área e chamar imediatamente a polícia técnico-científica. O objetivo é garantir perícia nas ocorrências que envolvem agentes da lei para que policiais não encubram execuções e torturas alegando confrontos.

No entanto, a lacuna da norma está justamente na hipótese de a vítima, apesar de ferida, ainda estar viva. Nesse caso, o policial tem a obrigação de prestar socorro ao ferido, levando-o imediatamente para um hospital. Contudo, este procedimento, fundamental para prezar pela vida humana, pode estar sendo usado indevidamente, com vítimas já mortas, no intuito de desfazer a cena e impedir a produção de provas técnicas que comprovem abusos estatais.

A mesma Portaria 553 menciona que a CORE pode ser chamada para garantir a perícia, caso as condições para realizá-la sejam adversas.

Durante a tarde do dia 22 de fevereiro, antes de o vídeo vir à tona, matérias jornalísticas pipocavam em vários veículos de comunicação. Em todas elas, a polícia civil afirmava que Igor foi socorrido com vida, e só teria morrido a caminho do Hospital Geral de Bonsucesso. Nas imagens, porém, o que se vê é um corpo aparentemente já morto, o que parece ser confirmado pela forma com que os policiais da CORE o jogam na caçamba da viatura.

Esse caso da Maré poderia ter sido apenas mais um desses de “resistência seguida de morte” sem investigação, não fosse um morador que decidiu registrar as imagens com o próprio celular. Através do DefeZap, essas imagens embasaram a instauração de procedimento do Ministério Público para acompanhamento das investigações, sem que a pessoa que fez o vídeo tenha que se expor. Agora, com a contradição entre a versão de prestação de socorro e o que as imagens parecem mostrar, a ocorrência deve ser investigada mais a fundo para apurar possível desconfiguração de cena do crime e, eventualmente, levantar elementos que confirmem ou não as reais condições em que Igor foi baleado e morto.